(…)E então decide, dramaticamente, que a vida não tem sentido, que ele não encontra respostas para as perguntas que traz e que talvez o melhor seja pôr cobro, ele, à própria vida. Vai andando perto de um rio e a dada altura encontra um carpinteiro chamado José, e pergunta ao carpinteiro se ele, vivendo ali, naquele braço de rio, sabe se o rio é suficientemente fundo e cheio de lodo para que uma vida se perca. O carpinteiro percebe a questão que Severino lhe coloca e começa a convencê-lo a não fazer aquilo, a não dispersar a sua vida. Severino pergunta-lhe, interroga-o: “Então dá-me uma razão. Dá-me uma razão que seja, que diga que a vida vale a pena. Dá-me uma razão que seja para que eu não faça isso.” Quando estavam os dois nesta discussão, a discussão é interrompida, a conversa é interrompida. É interrompida por um coro de vizinhos, de parentes e de conhecidos que vem anunciar, cantando, a José que ele acaba de ser pai.
Então nós somos conduzidos até ao lugar onde este menino nasce e José canta a alegria daquela vida que nasce. Depois, no final, ele volta-se para Severino e diz que ele não tem uma resposta para dar a Severino, não tem uma resposta sobre se a vida tem sentido, se a vida vale a pena. Ele não tem uma resposta por palavras, mas ele diz: “Nenhum homem é capaz de responder. É a vida que responde. É a vida que responde.” E a vida responde como? A vida responde manifestando-se, dando-se a si mesma, abrindo-nos ao desabalar do espectáculo que é a própria existência, a esse inacreditável milagre que é a própria vida. É olhando, acolhendo e abraçando esse milagre que nós somos curados das nossas dúvidas, daquilo que em nós parece que não tem solução, que não tem remédio. É quando nós abraçamos e confiamos no milagre da vida, daquilo que continuamente nasce e explode de vida no mundo e em nós é que podemos ser curados das nossas provações, das nossas tentações, da nossa imperfeição e deste sentido que nos há de acompanhar até ao fim, este sentido do inacabado, do inconcluído, do irreparável que há de acompanhar-nos sempre.
O que é o Advento? Eu penso que o Advento, anualmente, é o interromper a conversa. Nós, todos nós, estamos com uma conversa qualquer na nossa vida. Uma conversa mais feliz ou mais infeliz, mais narcísica ou mais egoísta ou mais na relação com os outros, mais isto ou mais aquilo. Estamos numa conversa e estamos a debater-nos por encontrar uma solução e um sentido, que nem sempre é óbvio, que raramente é evidente, e que quase nunca é fácil, para não dizer nunca. Estamos neste debate connosco, com os outros, com Deus, colocamos perguntas. E o que é que é o Advento? O Advento é uma interrupção. A conversa interrompe-se. E interrompe-se com um cortejo, que nos vem anunciar um nascimento, que nos vem abrir os olhos para olharmos para a vida, a vida no seu milagre, na sua essencialidade, a vida Vida, a vida estreme, a vida sem mais. Porque Jesus nasce e o que nós temos é a vida estreme. Ali não há ornamentos, não há decoração. Ele nasce naquela circunstância de completo desprovimento, sem nada, naquele curral de animais onde é só a vida que conta. Maria coloca o filho na manjedoura dos animais para mostrar que é daquela vida que nós nos temos de alimentar.
José Tolentino Mendonça
Texto integral no site da paróquia – Fonte: Capela do Rato de Lisboa